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terça-feira, 15 de novembro de 2016

O triunfo de Trump

A tal de mídia virou o saco de pancadas favorito de boa parte da própria mídia e de analistas de variadas tendências e competências depois da vitória de Donald Trump.Para não perder o costume, vou remar contra a maré: não vejo como culpar a mídia, pelo menos não pelos motivos que estão sendo esgrimidos.Há, sim, uma culpa: aceitar candidamente demais as pesquisas que davam a vitória a Hillary Clinton. Mas, mesmo nesse ponto, cabem três observações relevantes:

1 - A pesquisa sobre o voto popular acertou. Hillary ganhou a eleição popular.

2 - Jornais, de modo geral, não fazem pesquisas. Delegam-nas a institutos. No Brasil, a Folha, por exemplo, não faz pesquisa. O Datafolha as faz, mas, como é propriedade do Grupo Folha, quando erra, a Folha pode ser igualmente responsabilizada. Nos Estados Unidos, a responsabilidade dos jornais, repito, limita-se ao fato de ter aceitado candidamente as pesquisas, sem nem sequer prevenir que a grande maioria delas dava vantagem a um ou outro candidato dentro da margem de erro. A Folha não comete esse erro.

3 - Segundo Guga Chacra, o brilhante correspondente da GloboNews em Nova York, nos Estados que acabaram definindo a vitória de Trump no Colégio Eleitoral, ou não foram feitas pesquisas ou eram amadoras.

Não deveriam, portanto, merecer o crédito que lhes foi dado. Pesquisas à parte, é falsa a avaliação de que a mídia não captou o mal estar dos eleitores de Trump. Cansei de ler reportagens sobre os trabalhadores brancos sem educação superior que se consideravam perdedores da globalização e, por isso, votariam em Trump.

Até a Folha, que tem menos antenas nos EUA do que a mídia local, como é óbvio, fez mais de um registro a respeito, em textos excelentes das três meninas poderosas que tinha nos EUA (Anna Virginia Balloussier, Isabel Fleck e Patrícia Campos Mello) e do correspondente Marcelo Ninio.
Outra crítica comum mas equivocada: a mídia não levou Trump a sério e, com isso, contribuiu para fazer propaganda de um bufão.

Falso. A mídia "mainstream" não só retratou bem o candidato republicano como foi ouvida por seu público: pesquisas de boca-de-urna indicam que 60% dos eleitores norte-americanos chegaram às urnas com uma visão desfavorável dele; que 63% concluíram que ele carece de temperamento para ser presidente; e que 60% o consideram desqualificado para ser presidente.

É razoável supor que os restantes 40% pouco mais ou menos não lêem os grandes jornais. Preferem as redes sociais, território livre da mistificação e da desinformação. Que culpa tem a mídia se entre 15% e 20% dos que têm opinião desfavorável de Trump votaram nele mesmo assim?

A culpa, nesse caso, é de Hillary Clinton, sobre a qual pesavam desconfianças em porcentagens parecidas, embora menos elevadas, sempre de acordo com pesquisas boca-de-urna.
Por fim, a mídia não pode ser culpada por não endossar a agenda de Trump. Fazê-lo equivaleria a jogar no lixo posições que jornais como o "Washington Post" e o "New York Times" defendem historicamente.

A maioria dos americanos, aliás, tampouco a endossou. Ele ganhou pelo esdrúxulo modelo de Colégio Eleitoral. É um presidente legítimo, mas é uma agenda levemente minoritária, insisto.


Por CLOVIS ROSSI, da FOLHA DE S. PAULO


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